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“A acomodação é a maior ameaça das empresas”, afirma idealizador e investidor da FCJ

Para o idealizador e investidor da FCJ São Paulo, Jorge Letra, a pandemia do novo coronavírus é um momento decisivo para as empresas. Com mais de 25 anos de experiência no mercado, nesta entrevista ele fala sobre como está lidando com as startups nas quais investe, o processo de aceleração digital e as oportunidades de crescimento para empresas, empreendedores e investidores e deixa dicas valiosas para quem quer começar a empreender e se tornar um investidor anjo. Confira!

Diante dessas mudanças no modo de produção e nos padrões de consumo, o mercado passará por um processo de aceleração da digitalização, como alguns especialistas dizem, “destruição criativa”, e as empresas que não estiverem atualizadas deixarão de existir?

É um momento decisivo para muitas empresas. Sempre fui um “early adopter” e por isso, para mim, estes momentos de virada são muito inspiradores. Mas a verdade é que são muito assustadores também. Diversas empresas foram apanhadas numa fase de fragilidade e nem tiveram tempo para reagir. Outras ainda não fecharam, e teimosamente se endividam na esperança de conseguirem sobreviver, mas, sem caixa para fazerem as mudanças necessárias para este novo tempo, provavelmente não sobreviverão, porque os velhos clientes mais estarão mais querendo as mesmas coisas. Porém muitas empresas estão aproveitando para se reinventar e fazendo a transformação digital de forma acelerada visando encontrar novos mercados e novos clientes. Criam novos canais, novos produtos e serviços, novos relacionamentos com clientes, e mudam seu patamar de operação. Veremos grandes mudanças nas posições nos rankings de market share em muitas categorias.

Todas as empresas passarão por essas mudanças?

Sim. Veremos mudanças sérias nas pequenas empresas e nas grandes também. O que as grandes empresas precisam fazer é voltar a ter a inquietude que as tornou líderes depois de crescerem. A acomodação é a maior ameaça das empresas. Elas não querem correr riscos e querem aumentar seus lucros de forma aritmética com base na inflação, crescimento de mercado ou outras métricas racionais. Seus líderes ficam mais confortáveis, mais lentos, e deixam de ver o mundo como um desafio. Acham que já sabem como o mundo é. Também ė verdade que eles são cobrados como se tivessem que saber, e por isso projetam o futuro que lhes convém a eles e a seus budgets. Finalmente neste caos os líderes podem dizer que não sabem o que será o futuro sem que alguém se espante. É um grande momento de liberdade, consciência e aprendizado.

Qual foi a sua reação inicial à pandemia com as mais de 50 startups que você investe e como você está lidando com a crise?

Como em qualquer crise, o primeiro momento é de negação. Mas as empresas precisam aprender de uma vez que o único futuro seguro é aquele que nós mesmos criamos. Por isso elas precisam inovar e mudar continuamente para terem um futuro mais previsível. Se eu, líder de mercado, não estou criando o futuro porque estou muito ocupado com o presente, alguma outra empresa vai criar esse futuro e me surpreender. Hoje ė mais fácil que no passado. As startups e a inovação tecnológica já nos ensinaram um caminho muito interessante e de baixo custo. As grandes empresas devem se associar uma Venture Builder, uma fábrica de startups, para buscar continuamente inovações na sua área de atuação.

Sabemos que estamos atravessando um momento que requer novas skills. Pela sua experiência com as startups quais as dicas que você daria para os empreendedores? 

Minha visão mudou muito, anos atrás, quando li livros como “Startup Enxuta”, de Eric Ries e “Organizações Exponenciais” de Ismael Salim, entre outros autores. Eu mesmo teria feito muita coisa diferente, nos meus 25 anos como executivo, se tivesse criado essa consciência há mais tempo. As dicas que deixo para todos os empreendedores são: 1) Aprendam as técnicas de desenvolvimento de novos negócios (livros, palestras, outros empreendedores, empresários, especialistas); 2) Entendam a sua área de excelência, o que os faz diferentes e muito melhores que outros empreendedores, porque é aí, e só aí, que devem atuar; 3) Procurem problemas/dores dos clientes, entendam suas causas e consequências. Falem com muita gente sobre o que estão procurando; 4) Façam na mão, “no guardanapo”, os primeiros esboços do que precisa ser resolvido e como resolver; 5) Comecem a resolver o menor problema, com o mínimo custo possível, para testarem as primeiras hipóteses; 6) Procurem ajuda para crescer. Por fim, repitam os passos 3, 4, 5 e 6 à exaustão até ficarem bons e grandes.

Mesmo durante a crise?

Se você está no meio de uma crise pandêmica como a que vivemos hoje, você tem que cuidar da casa. Cuide da sua saúde e da saúde dos seus colaboradores. Como sempre nos diziam nos aviões, em caso de turbulência, coloque a máscara em você primeiro, só depois ajude os outros. Acolha seus clientes e mercados. Identifique e converse com o seu ICP (Ideal Customer Profile). Veja o que precisam, dê desconto para não perder o cliente, sinta o que pode fazer mais por eles. Novas features, novas soluções, novas demandas imediatas costumam ser excelentes formas de sair da crise e virar indispensável para seus clientes. Ė hora do B2B back to breakeven. Corte tudo até garantir que a operação se paga com as vendas atuais. Só depois pense em fazer algo diferente. Acelere: novos planos para os novos tempos. Reinvente tudo com base no que será e não no que sempre foi. Se prepare para o futuro. Para saber onde vamos, precisamos saber onde estamos. Reconheça seu novo mercado e acelere.

No atual cenário econômico houve um aumento para a busca de conhecimento para investimentos. Quais as dicas que você dá para quem está iniciando o interesse em ser um investidor anjo?

De toda a experiência que tenho adquirido como investidor anjo, o que posso dizer para quem está nesta mesma trilha neste momento é: mar calmo nunca fez bom marinheiro. Em momentos como este nada fica igual, e por isso são ótimos momentos conhecer as pessoas e investir em startups. Como o principal fator de seleção de uma startup é o time, especialmente os fundadores, seus valores e propósito, é um excelente momento para entender quem eles são. A alma do negócio é a execução, e ela depende literalmente das pessoas que estão na frente. Depois virão o tamanho de mercado, a solução e as questões financeiras. É melhor um time excelente com uma ideia mediana, que uma excelente ideia na mão de um time mediano. Ao mesmo tempo, caro Investidor não é hora de se aventurar sozinho na tempestade. Nem agora nem nunca. Não acredite que vai encontrar sozinho o próximo unicórnio no quintal de sua casa. Por isso, não invista sozinho. Procure Anjos mais experientes para você acompanhar, em grupos de Business Angels ou em rodadas lideradas. Ou procure uma Venture Builder e invista numa que já tenha um portfólio e um grupo de investidores de qualidade.

Qual a sua expectativa para 2021?

No próximo ano estaremos no momento que eu chamo de DC/AV (Depois do Covid/ Antes da Vacina). Leio, estudo e fico pensando como será o futuro e acho que algumas coisas eu já sei:

Mais rápido: tudo está cada vez mais na palma da mão. Decisões que estavam demorando anos para serem tomadas aconteceram em semanas, como o home office e a Telemedicina.

– E-commerce – Tudo se pode comprar online. Desde produtos de qualquer tipo, como pão, carros e casas, até serviços de toda a ordem, como aulas ou consultas. Veja as aulas de dança, spinning, culinária, meditação, etc.

– Tecnologia 5G – Será absolutamente necessário que a velocidade da internet se adapte a este momento de aceleração. Agora os avanços nesta área serão gigantes.

– IOT – A Internet das coisas ligando pessoas, coisas e sistemas em qualquer lugar, com a nova rede de Wi-fi ou tecnologias Mesh será realidade.

– AI – Inteligência Artificial (ou aumentada, porque aumenta a capacidade humana) será como energia elétrica, nos assessorando nas mais simples tarefas diárias.

– TAI – Transportes aéreos individuais que estavam previstos para 2025 devem agora acelerar seu lançamento e veremos todas essas tecnologias em poucos anos.   

Saúde – A medicina e todas as disciplinas ligadas à preservação da vida humana já vinham sendo objeto de evolução drástica com as novas tecnologias, mas com os investimentos de ordem mundial que aconteceram nos últimos meses, teremos um mundo novo nesta área. 

O Brasil é um país extraordinário. Já passou por tantas crises que virou especialista em se livrar delas. Será um momento de grande renovação. Enquanto muitos negócios fecharam e vão ainda fechar, muitos outros vão aproveitar locações mais baratas, mão de obra disponível, concorrência enfraquecida e demanda reprimida. O mundo está mudando cada vez mais rápido, e por isso as oportunidades de crescimento para empresas, empreendedores e investidores, aparecem todos os dias. Inovar é chave para uma vida mais equilibrada e feliz.

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